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Billy Viveiros

Billy Viveiros

 

Saudades de ‘Shane’

 

Outro dia, um amigo que sabe que sou louco por música e, muito particularmente, por música de cinema, recomendou-me um desses sites onde você encontra uma infinidade de arquivos com a possibilidade de baixá-los no computador e reproduzi-los sempre que quiser.

Então, feito criança que ganha um presente há muito esperado, imediatamente após ter instalado o tal programa, comecei a buscar na memória as músicas que marcaram minha vida e que gostaria muito de ouvir novamente.

Logo, muitas canções foram sendo lembradas, buscadas, copiadas em meu computador. Melodias que registraram momentos mágicos de minha história, quase todas temas de filmes: “Singin in the Rain”, “The Quiet Man”, “Old Man River”, “Shane”, “Nevada Smith”, “Shenandoah”...

Mal as músicas eram baixadas eu clicava no arquivo para começar a ouvi-las e, à medida que os sons penetravam em meus ouvidos e iam se encaixando com as minhas memórias era como se eu tivesse entrado numa “máquina do tempo psicológica” que me levava a reviver as emoções que eu tivera vendo aos filmes e ouvindo aquelas canções pela primeira vez.

Assim, arquivo após arquivo, chegou a hora de clicar sobre “The Call of The Faraway Hills”, a maravilhosa trilha que Victor Young compôs para “Shane” (western clássico de 1953 que no Brasil ficou conhecido como “Os Brutos Também Amam”). O filme é de George Stevens, estrelado por Alan Ladd, Van Heflin, Jean Arthur e o espetacular Brandon De Wilde, no papel do garotinho Joey.

Ao ouvir os primeiros acordes a tal “máquina” levou-me para o início da década de 60, para os meus dias de menino “caipira”, crescendo junto às montanhas de Itupararanga no interior de São Paulo, onde, ainda hoje, há uma usina hidrelétrica, na época pertencente à “Light”.

Cada nota que eu ouvia, produzia uma profusão de lindas lembranças que acabaram por se fixar numa das pessoas mais queridas para mim - em meu inesquecível padrinho, José Saydel.

“Saide” – como era chamado pela maioria das pessoas – todas as tardes, às cinco, quando soava o apito da usina encerrando mais um dia de trabalho, deixava seus afazeres de chefe dos eletricistas e caminhava cerca de 500m, de volta para casa, pela estradinha de terra que separava a Casa de Força da vila dos funcionários.

Uma vez em casa, Saide mantinha sua rotina de cuidar de pequenas coisas como limpar gaiolas de passarinhos; tocar gaita, dar banho em Ringo - seu vira-latas malhado e, a mais importante delas, inventar histórias de piratas, caubóis e astronautas, para mim e seu filho, José Carlos.

Nessa base da Light não havia mais que umas 50 residências; uma escolinha primária; uma sede social; um parquinho com escorregadores, balanças e gangorras; um campo de futebol e um armazém, distribuídos num vale formado entre montanhas de granito róseo e de mata atlântica. E permeando o vale e despencando em queda livre por uns 90 metros, a maior de todas as belezas locais: a linda Cachoeira de Itupararanga. 

Num lugar como esse não era difícil meninos soltarem a imaginação, especialmente quando o velho Saydel, apontava para o Sol se pondo num entardecer avermelhado entre as montanhas atrás de nossas casas e esfregando seu cachorro gordo e mal acostumado dizia: “É ali que fica o ‘Velho Oeste’. É logo ali, atrás daquelas montanhas, que vivem Buffalo Bill, Billy the Kid, os apaches, os cheyennes, os xerifes. É bem ali que ficam as pradarias, os bisões e as cidadezinhas empoeiradas com saloons e tufos de capim seco rodopiando pelas ruas...É logo ali!!”

Por isso tudo, após termos assistido ao filme “Os Brutos Também Amam”, na velha sede da base (à quintas sempre tínhamos cinema de graça por lá - As fitas eram enviadas pela matriz da empresa para entretenimento dos moradores) e de termos ficado encantados com a trilha de Victor Young e com a singeleza desse maravilhoso filme; eu, o velho Saydel e seu filho, graças à inesgotável imaginação de meu padrinho, ficamos por muitos dias ouvindo estórias em que os personagens principais eram o caubói introspectivo “Shane” e o garotinho “Joey”.

Para mim, ainda hoje, é impossível dissociar a lembrança gostosa desse filme, de sua trilha sonora, de meu querido padrinho que, infelizmente, à exemplo de Shane, não deu ouvidos aos apelos desesperados de Joey, correndo atrás de seu cavalo e, cedo demais, prosseguiu seu caminho solitário rumo à eternidade...

 Adeus, velho Shane’…Abraço apertado de saudade, querido padrinho!

 

  (Infs sobre “Shane” no site: http://www.imdb.com/title/tt0046303)

 

 

 


 

 O Viking Voador

(Homenagem de um ex-goleiro ao seu ídolo)

 

 

Domingo. Abril de 1972. Pouco mais que 3 da tarde... 

O sol brilha alto tendo, como pano de fundo, imenso céu azul. Uma brisa permeia tudo, mantendo a temperatura amena, agradável, como é próprio a um dia de Outono.

No vestiário de um clube, num vilarejo do interior, um grupo de jovens na faixa dos vinte e poucos anos e dorsos desnudos aguarda, ansioso, que o técnico inicie a distribuição de camisas. O lugar é pequeno, apertado. Um odor ocre de suor, misturado ao cheiro de cânfora dos óleos de massagem rescende e deixa o ar viciado, difícil de respirar. Há uma crescente tensão no ambiente: ninguém admite ficar de fora, todos querem jogar! A reserva, para um jogador de várzea é algo tão doloroso quanto a frustração de uma criança que espera por um presente de Natal que nunca chega - ele joga por amor!

Todos ali passaram a semana dando duro na usina, ajudando aos pais em casa, ou, simplesmente, estudando. Independente, porém, da ocupação, cada jovem naquele vestiário superou tudo ao longo da semana pensando num único momento mágico e restaurador: no jogo de bola do domingo!  E agora essa hora tinha chegado. Mas, por capricho, implicância, "ovo virado" do técnico, corria-se sempre o risco de ficar de fora, de não ser escalado. Assim, domingo após domingo, na hora da distribuição das camisas vivia-se sempre a mesma ansiedade, a mesma tensão. Nesses momentos pairava um silêncio estranho, como se houvesse estática no ar.

Finalmente, o treinador, se posta no centro do vestiário, ao lado de um saco de lona verde. O time vai ser escalado, as camisas distribuídas. O "técnico", um sujeito de poucas palavras tem ares de quem não se deve esperar favores ou gestos de simpatia. Ele se curva para alcançar as camisas naquele saco de encerado, apanha uma a uma, dá uma rápida olhada no número, às costas. Então, percorre o grupo com seus olhos pequenos, frios, e ao localizar o jogador a quem aquela camisa se destina, ainda sem dizer palavra, atira-lhe o "manto sagrado".

Naquele instante aquele homem é uma espécie de general fazendo uso de toda autoridade para distribuir armas à tropa antes da batalha, um semideus inquestionável - capaz de proporcionar a um só tempo e com igual intensidade - alegria e frustração: a uns, por tê-los feito titulares e, a outros, por ter-lhes destinado a reserva.

Sou um dos goleiros do time. Súbito, vejo uma camisa negra, desbotada, puída nos cotovelos, com um número "1" vermelho costurado às costas e um emblema triangular no peito voar em minha direção. Eu a agarro com prazer: "Oba, vou jogar!".  É a única coisa que a euforia me permite pensar.

Enfio logo a camisa no corpo e a ajeito, completando o uniforme constituído também de chuteiras, meias, sunga e calção. Nenhum gesto de humanidade para com meu colega de posição, cabisbaixo, por ter sido uma vez mais preterido me ocorre. Mas, é assim que as coisas são no duro mundo do futebol. Especialmente no futebol de várzea. Além do mais, há um entendimento tácito entre todos de que o chamado "esporte bretão" não foi feito para maricas, "filhinhos da mamãe". É coisa para macho e como tal deve ser vivido.

A esta altura resta-me apenas colocar a parte mais sofisticada de minha "armadura": meu par de luvas de couro marrom, revestida de borracha de bolinhas, como as das raquetes de ping-pong. Esse capricho custara-me uma bicicleta novinha. Eu precisei vendê-la para ter dinheiro suficiente para a luva! (No início dos anos 70, mesmo entre profissionais, ainda são poucos os goleiros que usam luvas e as poucas disponíveis no mercado custam seu peso em ouro).

Mas eu consegui o meu par e é isso o que importa. Enquanto eu as calço percebo o olhar de curiosidade e admiração, do restante do time. Demais! Na verdade, estou radiante por poder jogar, por poder me exibir para toda a torcida (Meu Deus! Tudo é mesmo "vaidade debaixo do Sol").

Ali mesmo, no vestiário, dou uns saltos para cima, buscando me aquecer. Depois, por minha própria conta e risco, faço exercícios de alongamento que, imagino, serem certos. Afinal, achar que o glorioso "São Paulo Electric Futebol Club" (o time tinha esse nome esquisitão por ter sido fundado por engenheiros gringos da Light) tem massagista ou um fisicultor seria sonhar demais! Falando francamente, além do uniforme, a gente só tem mesmo uma bola de couro gasta e uma bomba e bico para enchê-la de ar. Por isso, se no desenrolar da partida, por azar ou inabilidade, um daqueles becões der uma bicuda e a bola sumir no mato ou furar, adeus jogo!

Pego a bola de gomos pretos e brancos e perfilo o time para a entrada em campo. O juiz, um "ilustre desconhecido" escolhido minutos antes, entre os torcedores, lá do centro do gramado assopra o apito convocando os times.

O jogo é em nossa "casa". Isso significa que temos o direito de entrar em campo depois do time visitante. Ao ver que o outro time já entrou, desço correndo o barranco rumo ao campo, seguido por 10 sujeitos “elegantemente” trajados. Para ser franco, o melhor que podiam dizer de nós é que somos uma reedição do "Exército de Brancaleone" - tantos os remendos, cerzidos e desbotados em nossos uniformes. Mas, digamos, que esses eram detalhes de menor importância. O que conta mesmo é jogarmos duro e vencermos o adversário.

Em seguida, mais umas firulas - corridas curtas daqui para acolá, de lá para cá, exercícios abdominais e uns chutes curtos para "aquecer ". Estamos prontos: a partida vai começar.

Todo garoto, seja no mundo das artes ou dos esportes, tem sempre um ídolo para se espelhar e eu não fujo à regra. Também tenho o meu "goleiro herói", o "cara a ser imitado". Quem é ele? Ora, nenhum outro senão: EDUARDO ROBERTO STINGHEN! "Heim? Quem?!!" Ah, desculpe. Apresentando assim, com esse nome de soldado alemão fica mesmo difícil, ninguém vai adivinhar. Mas, se eu revelar o seu apelido a coisa muda de figura. Meu herói é o "ADO", goleiro do Corínthians. Um dos 22 que estiveram no México, em 1970 e de lá voltaram tricampeões mundiais de futebol.

Por um ainda incompreensível fenômeno de transcendência, nesta tarde sinto que não sou mais eu quem está sob a trave, mas, o próprio Ado! Então, modéstia à parte - não importa como a bola venha, será quase impossível ela me vencer!

Sentindo a defesa segura, o ataque intuitivamente se solta lá na frente. Alguns gols no primeiro tempo, outros no segundo e, agora, faltando menos de cinco minutos para o final da partida, o placar aponta um humilhante 4x0 sobre o adversário - um massacre!

Já no "crepúsculo da partida", como um conhecido locutor esportivo costuma dizer, cobro mais um tiro de meta - aqueles chutões que os goleiros dão, para repor a bola em jogo. Chuto forte, de pé esquerdo e enquanto observo a trajetória da bola indo rumo ao campo adversário fico imaginando se algum dia terei a chance de encontrar o meu ídolo, apertar sua mão, pedir um autógrafo...

Domingo. Fevereiro de 2004. Pouco mais que 3 da tarde...

O sol brilha alto, tendo, como pano de fundo, imenso céu azul. Se há brisa lá fora não sei. Estou no escritório de casa, lembrando-me disto tudo e registrando no computador. Com certa tristeza penso que, infelizmente, o encontro com o meu ídolo e aquele pedido de autógrafo, nunca aconteceu. Tiro o óculos, levanto-me um instante para "esticar o esqueleto".

Caminho até a cozinha. Abro a geladeira. Alcanço uma jarra de vidro. Sirvo-me de uma dose generosa de suco de laranja. Levo o copo aos lábios e fecho os olhos ao sentir o líquido refrescante descendo garganta abaixo. Então, ali, numa fração de segundos, diante da porta da geladeira corre-me algo e sorrio. Penso que, talvez, agora, ao tirar estas lembranças da memória, ao registrar esta história eu, finalmente, tenha conseguido: GRANDE ADO, SINTA-SE ABRAÇADO!