Entrevistas
(Donaldes Alquezar)
Donaldes Alquezar, começou a trabalhar na Usina de Itupararanga, como telefonista, em 1º de Junho de 1955. Após cinco anos nessa função foi promovido e passou a trabalhar no Quadro de Operações, até 1974, quando a concessão da usina passou para a C.B.A - Cia. Brasileira de Alumínio.
A partir daí, Donaldes, passou a ocupar o cargo de Encarregado de Operações e tornou-se responsável por praticamente todos os setores que compõe a usina: elétrica, hidráulica, mecânica, construção civil, escritórios e almoxarifados.
Segundo Donaldes, a Usina de Itupararanga, é uma verdadeira escola para estudiosos de Engenharia pois como ela é “exposta”, pode-se ver o funcionamento do rotor, das turbinas, das excitatrizes e todos os seus principais equipamentos.
Na segunda-feira de Carnaval de 1988, Donaldes abriu as portas do Sítio Panorama (a meio caminho entre Votorantim e Piedade) para conceder esta entrevista a Billy Viveiros. Vamos a ela...
Billy Viveiros – Donaldes, quando você e o Clecyr (Villela) passaram a ser os administradores de Itupararanga?
Donaldes Alquezar – Foi a partir de 1974. O Clecyr chefiava a usina e eu tomava conta do pessoal.
BV- Como se deu o contato da CBA (Companhia Brasileira de Alumínio) com você e o Clecyr?
DA – Nós já éramos funcionários da usina (empregados da Eletropaulo, a gestora anterior de Itupararanga). Então, o pessoal da CBA me convidou para ser um dos chefes, mas eu não queria aceitar porque trabalhava em Operações e não entendia nada de Manutenção. Mas, aí, conversando com o pessoal (outros funcionários da usina), todos concordaram que eu fosse o chefe deles e em aceitar ordens minhas.
BV – Por parte da CBA, quem tratou dessas negociações?
DA – Foi o Dr. Carlos Mazzaro, Coordenador de Usinas do grupo CBA.
BV – Por quanto tempo você e o Clecyr foram os administradores da usina?
DA - De 1974 a 1982...Foram oito anos.
BV – E depois?
DA – Bem, daí eu me aposentei. Por motivo de doença eu tive de me afastar.
BV - O Clecyr continuou?
DA – Não. Nós aposentamos na mesma época. Daí veio um chefe de Alecrim para tomar conta da usina.
BV – Donaldes, durante o período e que chefiou a usina, você enfrentou algum problema técnico grave, alguma emergência?
DA – Sim, nós enfrentamos um problema muito grave quando houve uma enchente. Uma das grades do Reservatório nº 2 rodou e aí vieram as pedras, pedaços de pau, tudo para dentro da tubulação que teve de ser esgotada, desmontada e nós também tivemos de esvaziar o reservatório. Depois, ainda tivemos que cortar a grade em diversos pedaços para poder retirá-la do túnel e, depois, refazê-la. Foram quatro dias, com todo mundo trabalhando dia e noite, sem dormir, sem descanso.
BV – Foi um problemão, heim? O maior abacaxi que você “descascou”?
DA – É foi o pior, sim. (risos)
BV – Em algum momento, ao longo desses oito anos, houve algum problema com funcionários? Alguém que você teve de adverti de forma mais dura ou demitir?
DA – Olha, os funcionários eram todos meus amigos, desde os tempos da Light. A gente se dava muito bem. Mas, infelizmente eu tive que despedir sim. Houve uns problemas (sorrindo constrangido) de disciplina, tentaram contrariar as minhas ordens e aí eu tive que despedir sim.
BV - Era uma questão de manter a linha de comando, a hierarquia.
DA – É...
BV – Donaldes, eu estava justamente pensando nessa hierarquia. Você e o Clecyr tinham autonomia e liberdade até que ponto? Até onde ia o poder de vocês ali dentro?
DA – Bem, nós fazíamos admissão e demissão de funcionários, compra de materiais...
BV – Como era feito o controle das despesas efetuadas com a administração da usina?
DA – Bem, a gente fazia o levantamento do que ia ser gasto, daí solicitávamos a verba e eles mandavam o dinheiro para cobrir as despesas.
BV – Uma transferência financeira normal?
DA - Sim, uma transferência financeira normal. Às vezes mandavam em dinheiro mesmo.
BV – Pensando na relação receita/despesa, imagino que a usina não devia ser deficitária. Dava lucro, não?
DA –Dava bastante lucro. Afinal, o que é que se pode gastar numa usina? Água! E água Deus manda não é? (risos) Não se paga nada. Então, a despesa principal da usina era com a folha de pagamento.
BV – E a manutenção das casas dos funcionários, da escola, da sede, a limpeza do rio, das boas condições de higiene e saúde na vila dos funcionários? Tudo isso também cabia a vocês?
DA – Sim. Todo o serviço de manutenção da usina ou de construção civil era feito pelos próprios funcionários da usina, dirigidos por nós.
BV – Todas as vezes que você precisou de recursos financeiros para essas tarefas, você os teve? Ou alguma vez lhe foi negado?
DA – Sempre os tive, mesmo porque as despesas que a gente tinha sempre eram pequenas: uma pintura para se fazer, a troca de uma pia, uma pequena construção. E material para isso a gente sempre tinha em estoque. Não era necessária uma verba especial para se comprar isso. Além disso, a usina mantém uma reserva de caixa, refeita, semanalmente, para pequenas emergências.
BV – Quer dizer que dependia, basicamente, da sensibilidade de vocês da administração, as providências necessárias para a manutenção?
DA - Sim, das reformas que fossem necessárias. Era o tipo de coisa que não se podia deixar de fazer, né? Para ir recuperando sempre o imóvel.
BV – Você que conheceu o “padrão Light” de administração sentiu alguma diferença na visão administrativa do grupo CBA?
DA – Para mim, pessoalmente, melhorou bastante porque eu trabalhava em Operações e em três turnos. Era um serviço que eu não gostava muito de fazer. Mas, depois que a usina passou para a CBA eu vim a exercer uma posição melhor, de chefia, e trabalhar num turno só, só durante o dia. Então, para mim, foi melhor mesmo.
BV – Mudando um pouco de assunto, que documentos você encontrou, ao assumir a chefia da usina, que foram deixados pelas empresas anteriores (São Paulo Electric Co. Ltd. e Eletropaulo) ?
DA – Esse assunto é muito interessante. A documentação está toda guardada dentro do cofre da usina. Existem negativos de fotografias tiradas durante a construção. Fotos da derrubada da mata, da construção do túnel, do canal, do reservatório principal. E isso tudo foi feito em 1911, numa época em que não existiam as máquinas e recursos que temos hoje.
BV - Cada etapa da construção foi documentada pelos construtores estrangeiros?
DA – Sim, tudo documentado. Com fotografias e cartas. Há, por exemplo, cartas endereçadas ao Canadá (onde ficava a Presidência da S.P.E.Co.Ltd.), reclamando que a tubulação estava chegando amassada. Existem registros de dificuldades com o transporte de cimento, que era importado em pequenas barricas de madeira e empedrava com a penetração de umidade. A construção da usina teve particularidades muito interessantes.
BV – Você encontrou essa documentação toda em bom estado de conservação?
DA – Está em muito bom estado. Acondicionada em pacotes amarrados. Mas, está difícil de pesquisar porque não existe um índice, não está organizada.
BV – Além de negativos, das cartas, fotos, o que mais existe?
DA – Existem de oitenta a cem negativos em vidro, correspondência entre Brasil e Canadá e cartas que circularam aqui no Brasil mesmo. Por exemplo, têm cartas da Indústria Votorantim reclamando que os funcionários da fábrica de cimento estavam se demitindo para trabalhar na usina, que a usina estava tomando os funcionários deles. Há correspondência falando da compra de eqüinos para a construção da usina, tem toda a documentação. Tem também fotos de uma pequena usina que existia no lugar, antes dessa construída pelos canadenses, onde hoje é a Represa da Prefeitura (de Sorocaba), que são muito bonitas.
BV – Todos esses documentos ainda se encontram na usina?
DA – Sim, está tudo lá.
BV – Donaldes, existem quantas casas para funcionários em Itupararanga?
DA - Oitenta residências.
BV – E quantas pessoas moravam lá na sua época?
DA – Na minha época lá moravam 54 e famílias.
BV – A escola ainda funcionava?
DA- Funcionava. A escolinha funcionou todo o tempo em que chefiei a usina. Do pré-primário até o quarto ano primário.
BV – E o clube? Vocês tinham alguma ingerência na vida do clube ou ele era administrado de forma independente?
DA – Enquanto estávamos na chefia, o Clecyr era o presidente e eu o vice! (risos). A gente ajudava no que podia. Foi assim até fevereiro de 1982, quando houve uma enchente, uma avalanche que destruiu completamente o campo de futebol. Daí o clube não funcionou mais.
BV - E não houve mais interesse em se tentar recuperar o campo?
DA - O dr. Miguel (Carvalho Dias, então, vice-presidente da CBA) tinha interesse. Ele não queria que o clube acabasse. Mas, a recuperação do campo era uma tarefa bastante difícil. As pedras que desceram com a avalanche eram enormes e só podiam ser retiradas com maquinário pesado. E a gente não tinha esse equipamento.
BV – Mas não foi tentado um empréstimo dessas máquinas junto à Votoran (fábrica de cimento do mesmo grupo distante dali apenas 2km)?
DA – Nós chegamos a pedir ajuda à Votoran. Acontece que eles já tem as máquinas programadas para os serviços deles e não podiam dispor dessas máquinas deixando-as trabalhando para nós por um ou dois meses. Eles ajudaram no que foi possível. Fizeram novas estradas, fizeram muita coisa. Deram a assistência que puderam no essencial. Na parte de lazer, esportiva, não teve jeito.
BV – Donaldes, na época da CBA vocês continuavam a manter uma enfermeira vivendo na vila?
DA – Não, quando assumi, não tinha mais.
BV – No caso de um atendimento médico de emergência vocês tinham que deslocar o paciente para as cidades mais próximas?
DA – Exato. Nós tínhamos um convênio de atendimento com o dr. Garcia (médico pioneiro e muito conhecido na cidade de Votorantim) que fazia, inclusive, os exames de admissão e demissão de funcionários e, anualmente, um check up em todos os funcionários.
BV – Mas, e os casos de emergência?
DA – Os casos de emergência eram deslocados para Votorantim, Sorocaba, para onde fosse necessário. A gente dava condução tanto para funcionários quanto para familiares enfermos. Isso nunca foi negado.
BV – Você não achava mais prático manter uma enfermeira morando no local com disponibilidade de atendimento 24 horas por dia?
DA – Isso seria ótimo! Muitas vezes, por causa de uma simples injeção, você deslocava uma condução e um motorista para um percurso de 30km, contando-se ida e volta. Imagine,
BV – Se era esse o seu pensamento, por que não contratou uma enfermeira?
DA – A direção da empresa achava antieconômico. (risos)
BV – Donaldes, ficamos por aqui. Muito obrigado pela gentil acolhida e pela entrevista.
DA – Foi um prazer. Se você tiver outras perguntas é só nos procurar...